terça-feira, 23 de março de 2010

Memorial Republicano VI

Pela República: organizações embrionárias

( A gravura representa o General Sousa Brandão, um dos pioneiros da propaganda republicana em Portugal)

Os citadinos cultos que iniciaram a propaganda republicana em Lisboa e que, um pouco mais tarde, encontraram seguidores no Porto e em Coimbra, não eram mais do que um reduzido número de amigos que se reuniam em tertúlias, sonhando com um destino mais justo e progressivo para o seu país. É provável que dessas reuniões, mantidas inicialmente em cafés, farmácias, livrarias ou até em casas particulares, tivessem resultado propostas e projectos mais ambiciosos. Conseguirem um local próprio de encontro e fazerem dele o fulcro organizativo para a publicação de um modesto jornal foram desígnios assumidos com naturalidade e entusiasmo. Desta maneira, os primeiros núcleos republicanos estabeleceram-se mediante o arrendamento de partes de casa, de garagens ou de decrépitos escritórios. O passo seguinte foi o da constituição de sociedades por quotas, as quais definiam como objectivo principal a publicação de um “periódico” noticioso e doutrinal. A maior parte destas aventuras não tiveram amanhã e goraram-se sem apelo. Para isso concorreram diversos factores. Os improvisados jornalistas não dominavam suficientemente os circuitos de distribuição; mesmo em cidades de alguma dimensão, os cidadãos assumidamente republicanos eram escassos; a generalidade da opinião pública tinha do fenómeno político uma visão que oscilava entre o ingénuo e o bronco, sendo facilmente influenciável pela contra-propaganda monárquica ou clerical; havia quem evitasse, em público, o uso da palavra república, supondo-a herética ou portadora de maus presságios; os jornais vendiam-se mal e as receitas recolhidas ficavam aquém do custo das responsabilidades contraídas.

Não obstante tamanhas dificuldades, foi este o caminho seguido, entre outros, por Casimiro Gomes, Felizardo Lima e Sousa Brandão, que nos finais de 1869 e inícios de 1870 fundaram em Lisboa um centro democrático que teve como órgão difusor a folha A República Federal. Por esta altura começou a organizar-se um núcleo de imprensa democrática nas três maiores cidades portuguesas. O Porto viu surgir o bissemanário Gazeta Democrática, ao qual Guilherme Braga deu a nota do seu vibrante anti-jesuitismo. O lente de Direito Manuel Emídio Garcia, ajudado por estudantes, fez estampar em Coimbra o semanário O Trabalho, de que vieram a lume onze números, entre 17 de Março e 20 de Junho de 1870.

Em Fevereiro de 1873 seria proclamada em Espanha uma República. Foi um poderoso rastilho para que entre nós viesse a atear-se uma labareda de crença, concretizada em organizações um pouco mais sólidas. Não havia ainda, por este tempo, uma noção clara das fronteiras que separavam o republicanismo do socialismo. Dentro do leque republicano vicejavam correntes diversificadas, que se distribuíam desde as posições moderadas, de pendor democrático-reformista, às opções socializantes do republicanismo federalista. Foi desta última sensibilidade que partiu a iniciativa de organizar, em Maio de 1873, o Centro Republicano Federal de Lisboa. Este resultado foi obtido pelas vontades conjugadas de Eduardo Maia, Leão de Oliveira, Silva Pinto, Nobre França, Azedo Gneco, Cecílio de Sousa, Martins Contreiras e outros. Publicaram trinta e dois números do jornal O Rebate, sob a direcção de Carrilho Videira. Foram os redactores d’O Rebate que promoveram em Lisboa, no Teatro do Príncipe Real, uma récita memorável, por nela se ter ouvido A Marselheza, ao mesmo tempo que surgia no palco uma criança em cujos trajes e bandeira, empunhada galhardamente, preponderavam as cores verde e vermelha. Segundo supomos, teria sido esta a primeira manifestação do cromatismo do futuro estandarte republicano. Por seu turno, os democratas reformistas, mais moderados, reuniram-se em torno do jornal A Democracia, à frente do qual se encontrava a figura de José Elias Garcia, que os federalistas consideravam excessivamente timorata e contemporizadora. Esta tendência republicana, não se revendo no radicalismo dos federalistas, tratou de se conluiar num Centro Republicano Democrático Português, formado em 1876, no mesmo ano em que no Porto também apareceu um Centro Eleitoral Republicano Democrático. O republicanismo conimbricense avançaria cerca de dois anos mais tarde. Como se vê, sopravam ventos de mudança no velho Portugal.

Publicado por Amadeu Carvalho Homem