quinta-feira, 7 de abril de 2011

Republicanismo e República XII

A supremacia eleitoral do Partido Republicano Português e a afirmação de Afonso Costa como governante e estadista

No quadro político gerado pela institucionalização dos três partidos Republicanos – Democrático, Evolucionista e Unionista – o Partido Democrático (oficialmente Partido Republicano Português), com grande peso representativo dentro e fora do Parlamento, condicionava governações e governantes. Em Junho de 1912, os democráticos provocaram a queda do governo do professor Augusto de Vasconcelos, por manifesta desconfiança em relação à figura do Ministro do Interior, o unionista Silvestre Falcão. O encargo de formar novo governo foi cometido ao professor da Politécnica do Porto, Duarte Leite, pessoa que, após uma primeira desistência, conseguiu formar um ministério de concentração partidária, que integrava democráticos, unionistas e evolucionistas.

Sendo a tomada de posse a 16 de Junho, logo a 6 de Julho seguinte teve o novo executivo de se defrontar com uma segunda incursão monárquica, de novo capitaneada por Paiva Couceiro. De imediato, o governo mandou seguir tropas para o norte a fim de reforçar as guarnições locais. Entrados mais uma vez pela Galiza, os assaltantes, desta feita em maior número e melhor armados, vinham com a intenção firme de restaurar a monarquia. Em três colunas dirigiram-se, separadamente, a Valença, a Vila Verde da Raia e a Chaves. Em todos estes locais, os seus ataques acabaram por ser repelidos pelas forças da República. Após três dias de combates, com baixas de pequena monta, de parte a parte, terminaram os monarquistas por se retirarem, cruzando de novo a fronteira a caminho de Espanha. Os julgamentos dos implicados na conjura decorreram por todo o resto do ano de 1912 e esse foi o assunto que, por igual tempo, animou e acalorou as sessões das Câmaras, com os parlamentares divididos entre os indultos e as condenações.

Esta segunda derrota monárquica desfez as ilusões dos que, à data, ainda esperavam uma mudança de regime. Nessa ambiência, os influentes políticos locais, de norte a sul do país, sempre arrivistas e desejosos de manter os seus poderes, começaram a aderir ao Partido Democrático, pela simples razão de ser este o partido que mais garantias lhes dava de vir a dominar a vida política da Nação e, nesse sentido, de vir também a contemplar a suas expectativas de manutenção dos seus estatutos de pessoas influentes. Ora se o partido de Afonso Costa era já forte, mais forte ficou com essas adesões, de tal forma assim que passou a ser entendimento dos seus dirigentes que deveriam assumir o poder executivo e governar sem parcerias. Ademais, a conjuntura era-lhes propícia, uma vez que o bicéfalo «bloco», composto por evolucionistas e unionistas, só ocasionalmente conseguia entender-se e dar apoio parlamentar ao Governo de Duarte Leite e este, naturalmente, vinha-se ressentindo de uma tal situação. E, muito embora António José de Almeida viesse afirmando que estava pronto a assumir responsabilidades governativas, a verdade é que para tal não reunia quaisquer hipóteses, posto que o seu partido, comparado que fosse o poderoso Partido Democrático não passaria de mera patrulha política, sendo também certo que num lance de natureza governativa não poderia contar com o apoio incondicional e permanente dos unionistas. Não é pois de estranhar que, em Janeiro de 1913, na sequência da demissão do governo de Duarte Leite, o presidente Manuel de Arriaga se visse compelido a chamar Afonso Costa para constituir ministério.

Chegado ao poder, à frente do primeiro governo monopartidário da República, a grande preocupação de Afonso Costa foi a de pôr ordem na caótica e sempre deficitária situação financeira do país. Por essa razão acumulou a Presidência do Conselho de Ministros com a pasta das Finanças, encetando uma política de rigorosa contenção orçamental. Para o efeito, criou mecanismos legais adequados, designadamente a famosa Lei-Travão, lei esta que impedia quaisquer gastos fora das condições e especificações de um quadro de despesas previamente definidas e tidas como indispensáveis. Por outro lado, aumentou a receita, instituindo o princípio do imposto progressivo, com isso fazendo os ricos pagarem mais que os pobres. Nos dois exercícios orçamentais que se seguiram à sua tomada de posse como chefe de governo, as Contas do Estado saldaram-se – situações únicas na República – com superavit.

A 27 de Abril de 1913, eclodiu uma revolta contra o governo, logo prontamente sufocada. Conluiados estavam monárquicos, sindicalistas e republicanos radicais. Pela primeira vez, facto inquietante a indiciar autodilaceração, assistia-se a uma revolta de republicanos contra republicanos. Por detrás do golpe, agindo na sombra, estava o republicano Machado Santos, o herói da Rotunda, declaradamente inimigo público de Afonso Costa. Por todo o mês de Abril se registaram manifestações e atentados bombistas. Afonso Costa prosseguiu, com firmeza, a sua obra governativa, enfrentando greves e atentados à bomba e praticando reformas, com produção de nova legislação em áreas como a instrução pública, finanças, fiscalidade e direito administrativo.

Em 20 de Outubro o governo neutralizou mais uma tentativa de revolta, desta vez monárquica e que ficou historicamente conhecida por Primeira Outubrada. A 16 de Novembro realizaram-se eleições suplementares para preenchimento de lugares vagos na Câmara de Deputados. Arrecadando maior número de votos, os democráticos reforçaram a sua representação parlamentar, passando a dispor de maioria absoluta na Câmara de Deputados. Até então, tinham governado em concertação com os unionistas, ao abrigo de um entendimento táctico entre Afonso Costa e Brito Camacho. Pouco depois, a 30 de Novembro, o Partido Democrático coleccionava outra vitória eleitoral, a das eleições municipais. A partir daí, os unionistas passaram a fazer uma oposição cerrada ao Governo, o que, de resto, favorecia Afonso Costa, posto que, desta forma, ficavam tranquilizados alguns sectores do seu partido que não viam com bons olhos o entendimento com Camacho.

A 4 de Fevereiro de 1914, de novo sob impulso de Machado Santos e de sectores radicais que o apoiavam, grupos de populares (sobretudo operários desagradados com a política anti-sindical do governo) marcharam do Largo de Camões em direcção ao Palácio de Belém, exigindo ao presidente da República a demissão do governo de Afonso Costa. Ouvidos os líderes partidários (note-se que tanto Almeida como Camacho haviam recusado participar na manifestação), Manuel de Arriaga defendeu publicamente uma amnistia para presos e proscritos políticos, a revisão da Lei de Separação da Igreja do Estado e a cessação das hostilidades entre os republicanos. Face à complexa e delicada situação, Afonso Costa apresentou o pedido de demissão colectiva do seu governo. Foi então chamado a formar ministério o Professor Bernardino Machado, político independente, próximo do Partido Democrático, entretanto regressado do Brasil onde exercera o cargo de Ministro de Portugal no Rio de Janeiro. O seu Governo, constituído por três democráticos e cinco independentes, tomou posse a 9 de Fevereiro, dando início a uma política de apaziguamento (pedida pelo presidente da República) que conseguiu atenuar o clima de exacerbadas paixões políticas em que o país mergulhara: concedeu amnistias, autorizou o regresso de prelados às suas dioceses e prometeu rever a Lei da Separação da Igreja do Estado.

Desta forma, chegou o Portugal Republicano às vésperas do primeiro conflito armado à escala mundial, a Grande Guerra. Há muito adivinhada, por questões de mercados e de partilhas coloniais, o rastilho que incendiou o barril de pólvora foi a morte do grão-duque Francisco Fernando, herdeiro do Império Austro-Húngaro, assassinado a tiro por um independentista sérvio, em Sarajevo, a 28 de Junho de 1914. Uma guerra que os participantes de um lado e de outro supunham estar resolvida pelo Natal e que acabou, afinal, por tomar proporções inimagináveis e prolongar-se por quatro longos anos, com um saldo assustador em feridos, mortos e estropiados.

Uma comoção de tal envergadura teria, necessariamente, de condicionar a política e a economia dos países, directa ou indirectamente envolvidos nas hostilidades. Em Portugal, país de facto beligerante, primeiro em África e depois também na Europa, os efeitos da formidável contenda foram transversais, atingindo, a todos os níveis, o funcionamento das instituições e a vida dos portugueses, com consequências de monta. A história da República passou a confundir-se com a história da guerra e nisso se projectaram também as distintas posições dos grandes chefes políticos: Afonso Costa de resolução pronta pela entrada de Portugal ao lado da Inglaterra; António José de Almeida a pender para aí, inicialmente porém, hesitante; Brito Camacho, tenazmente contra.

O pomo da discórdia era, ao momento, a nossa participação nos campos de batalha na Europa, visto que em África a luta armada pela defesa dos territórios de Angola e de Moçambique, face aos ataques alemães, era uma realidade que vinha desde o início do conflito. Enquanto uns pensavam que para a defesa do património colonial seria suficiente o esforço militar em África, outros, porventura mais atinadamente, julgavam que, para tanto, era necessária a participação directa no teatro de guerra europeu, posto que somente com uma reconhecida qualidade de país beligerante, Portugal poderia vir a sentar-se à mesa das negociações de paz. Este divisionismo cresceu com o surgimento, à escala nacional, de facções guerristas e facções antiguerristas, epifenómeno de uma teia complexa que ligava sentimentos germanófilos ou anglófilos a motivações políticas, a comodismos e a interesses económicos.

Publicado por Fernando Fava