quarta-feira, 24 de março de 2010

Republicanismo e República III

Como vimos anteriormente, João Franco, enredado nas suas próprias ambições, caíra entretanto numa situação de proscrição política. Todavia, em 1907, aparece-nos o mesmo João Franco investido das mais altas funções governativas e exercendo-as em ditadura? A verdade é que ele chegara de novo ao poder e, desta feita, na qualidade de Chefe de Governo. Aparentemente, o impossível acontecera! Um olhar mais atento permite, no entanto, considerar que tal situação não era, de todo, impossível. O próprio Franco entrevira essa possibilidade e já em 1897, após a queda do ministério regenerador liderado pela dupla Hintze Ribeiro -João Franco, houvera feito ao então seu correligionário, José de Azevedo Castelo Branco, a confidência seguinte: “Agora só me tornas a ver subir estas escadas como Presidente do Conselho”. Bravata inteira ou meia bravata, o facto é que o futuro viria a dar plena consistência àquelas palavras, conduzindo efectivamente João Franco ao cargo que, declaradamente, ambicionava.

Detenhamo-nos um pouco nas circunstâncias que permitiram que tal acontecesse, lembrando que deixámos João Franco a braços com a sua hercúlea tarefa de deitar abaixo o rotativismo e as personalidades e grupos políticos que o sustentavam. Diga-se, em abono da verdade, que não se saiu muito mal dessa empreitada, se bem que, para tanto, tivesse nos próprios rotativistas e nos seus erros os seus maiores aliados. Na base de uma retórica de oposição promoveu uma intensa e bem conseguida campanha de propaganda, a qual gerou um notável movimento de opinião que o colocava a ele, João Franco, como alternativa válida e única, dentro do campo monárquico, aos partidos tradicionais e, nesse sentido, como político sério, capaz de levar a efeito as reformas de que o país tanto carecia. E sendo estas reformas vitais para o país, eram-no também para a monarquia, visto que a sua ausência ou demora aproximava ainda mais o perigo de uma revolução republicana. Constituindo tal facto uma constante preocupação para a Coroa, não é de estranhar que em 1906, D. Carlos, a braços com mais uma crise governamental, tivesse encarregado Franco de constituir governo. E isso porque, na sequência do debate e discussões na Câmara sobre a já referida Questão dos Tabacos, o Parlamento encerrou

para reabrir em Fevereiro de 1906, de novo com sessões assanhadas e tumultuosas. Sentindo-se sem condições para levar por diante uma governação, José Luciano de Castro pediu ao rei a dissolução das Cortes, no que, foi atendido. Formou-se então um governo regenerador sob a presidência de Hintze Ribeiro. Realizadas, a 29 de Abril, eleições para sustentação deste ministério, delas resultou um parlamento com uma composição curiosa, quer em número, quer em diversidade: 107 deputados regeneradores, 17 progressistas, nove dissidentes, sete franquistas, seis nacionalistas, dois independentes, um miguelista e um republicano. Um primeiro olhar logo trazia à evidência uma desproporcionada aproximação entre dissidentes progressistas e progressistas lucianistas, nisso se adivinhando o dedo manipulador de Hintze, facto que, no clima de encarniçamento político vivido pelos dois chefes rotativistas, iria, necessariamente, provocar retaliações da parte de José Luciano.

Um outro aspecto ressaltava ainda dos resultados destas eleições. É que, se bem que maioritário na capital, o Partido Republicano, tendo em conta a sua fraca penetração no meio rural e os condicionalismos das leis eleitorais (ignóbil porcaria), não teria, em boa verdade, votos suficientes para eleger um deputado. Aconteceu porém que Hintze, tentando comprar a boa vontade ou a quietude dos republicanos, mandou «chapelar» as eleições na Azambuja a favor do candidato republicano Bernardino Machado. Tal revelou-se um tremendo erro, dado que, fazendo um hábil aproveitamento da fraqueza de Hintze, as hostes republicanas rejeitaram, com grande alarido, tal "favor", vindo Bernardino a público recusar a sua própria eleição. À sua chegada a Lisboa, na noite de quatro de Maio, esperavam-no, na estação do Rossio, Afonso Costa e outros correligionários, bem assim como grosso número de populares. Aí se gerou então uma ruidosa manifestação que provocou violenta e desmesurada intervenção das forças policiais. Dias depois, durante uma tourada no Campo Pequeno, os espectadores aplaudiam estrepitosamente Afonso Costa, ignorando, em simultâneo, a presença da família real.

Publicado por Fernando Fava