terça-feira, 30 de março de 2010

Republicanismo e República IV

Franco ao Poder ou o princípio do fim

Os acontecimentos anteriormente narrados, a par das revoltas de marinheiros republicanos, ocorridas a 8 e a 13 de Abril de 1906, a bordo do cruzador D. Carlos I e do couraçado Vasco da Gama, foram devidamente aproveitados pela imprensa republicana e contribuíram definitivamente para o profundo desgaste da imagem do ministério regenerador de Hintze Ribeiro, quer junto da opinião pública quer junto da Coroa. Atemorizado com o estado da situação política e prevendo eventuais sessões tumultuosas no parlamento recém-eleito, o chefe regenerador tentou ganhar tempo suficiente para que os ânimos esfriassem. Nesse sentido, predispôs-se a governar em ditadura, pedindo ao rei o adiamento sine die da abertura das cortes. Na sua célebre carta de 16 de Maio de 1906, D. Carlos negou-lhe o adiamento das sessões parlamentares. De imediato, Hintze pediu a demissão do gabinete ministerial e o rei concedeu-lha. No seguimento, o monarca chamou João Franco ao Paço e encarregou-o de formar gabinete ministerial. Assim é que, pela mão do próprio soberano, estava colocado um ponto final ao rotativismo. Na verdade, D. Carlos estava de posse de informações que lhe permitiam e até encorajavam esta medida, visto que, por intermédio da pessoa do próprio José Luciano de Castro, acompanhara as negociações iniciadas em Março de 1906 entre o Partido Progressista e o Partido Regenerador-Liberal de Franco, na sequência das quais fora firmado, nos primeiros dias de Maio, um acordo político a que fora dado o nome de Concentração Liberal. Em conformidade, José Luciano dera garantias de que apoiaria a formação de um ministério formado por regeneradores-liberais e presidido por João Franco, muito embora não quisesse para si ou para o seu partido, de acordo com as suas próprias palavras, “pastas nem postas”.

Considerando que os progressistas haviam sido apeados da governação havia apenas dois meses e que o governo dos regeneradores empossado há 58 dias chegara tão depressa e tão desastradamente ao seu fim, concluir-se-á que, na circunstância, D. Carlos foi, praticamente, empurrado para esta solução, dado já não lhe restar margem de manobra para operar mais uma tradicional rotação. Sendo isto verdade, também facto é que da decisão do soberano de entregar o poder executivo a João Franco, não estava arredada uma intenção pessoal de romper com o rotativismo e com os dois partidos que lhe davam corpo. É que, desgastadíssimos estes com o uso, tantas vezes aviltante e estéril, do poder, a sua

manutenção, como principais intérpretes da política nacional, contribuiria apenas para dar continuação a um estado de coisas que não só não solucionava os graves problemas nacionais, como, pior ainda, era propiciador de um contínuo deslizar do país para a república. Atento, D. Carlos há muito tinha intuído esta realidade e, na ocasião, julgou ver, nos propósitos reformadores do franquismo (intensamente propagandeados) a oportunidade para corrigir os «erros que de longe vêm» (palavras suas na aludida carta a Hintze Ribeiro) e para travar os ímpetos republicanos. Nos contornos da decisão então tomada era também notória uma apetência para um reforço dos poderes e da influência do rei, porque, desta forma, a sua pessoa teria, necessariamente, um maior ascendente sobre um governo assim formado. De facto, o futuro breve viria a confirmar uma maior presença e intervenção do rei nos negócios políticos, o que não deixava de ser do agrado de D. Carlos, sensível que era às teorias do engrandecimento do poder real, tecidas e propugnadas por Carlos Lobo d’Ávila e por Oliveira Martins, membros proeminentes do grupo de diletantes autodenominado “Vencidos da Vida”. De notar que as teorias apoiadas por esse grupo, tinham, ao tempo e entre a intelectualidade, muitos seguidores. Um testemunho insuspeito desta propensão de mando por parte do monarca D. Carlos é-nos dado por António Cabral, figura muito próxima de José Luciano de Castro e escrevinhador de crónicas em O Correio da Noite, órgão do Partido Progressista. Produziu ele a afirmação seguinte: “No ânimo imperioso de El-Rei, havia, a par da sua natural delicadeza e do respeito à lei, o desejo e a vontade de mandar”. Tal vocação de mando por parte do rei, em manifesto atentado à Carta Constitucional, haveria de o levar a apadrinhar medidas e situações que, em muito, contribuíram para o fim da monarquia e, antes disso, para o seu próprio e funesto fim. Desta forma, pela mão do monarca e com a ajuda dos rotativistas do Partido Progressista, chegou João Franco ao poder. Os seus inimigos de ontem eram amigos ou aliados de hoje; por sua parte estavam convenientemente esquecidas as razões que a eles o haviam oposto e a verrinosa e continuada retórica que sobre eles exercera. Não se ficariam por aqui as contradições que distinguiriam, pela negativa, a governação de Franco.

Publicado por Fernando Fava