quarta-feira, 10 de março de 2010

Republicanismo e República I

Nos tempos que se seguiram ao Ultimato e à Revolta do 31 de Janeiro de 1891, a chamada intelligentsia portuguesa encontrava-se em dissídio, cada vez mais alargado, com o regime monárquico-constitucional, considerando-o corrompido, esgotado, sem projectos sérios de governabilidade e sem soluções para os pesados problemas nacionais. Na mente de um número cada vez maior destes e de outros portugueses, a República começava a ser idealizada como o regime que poderia salvar e revivificar a nação. Assim, por mérito próprio, mas também por demérito dos seus adversários, o Partido Republicano começava a emergir da crise em que mergulhara após a tentativa revolucionária de 31 de Janeiro de 1891 e, de uma forma paulatina, ia-se afirmando como uma alternativa, no palco da política nacional.

Este palco era marcado por uma prática que procurava assegurar um «rotativismo» entre os Partidos Regenerador e Progressista, respectivamente chefiados por Hintze Ribeiro e por José Luciano de Castro. Os dois chefes políticos, revezando-se na governação, permaneceram, durante muito tempo, tacitamente concertados na intenção de impedir o acesso ao poder por parte de correntes políticas mais radicais. Os seus partidos organizavam-se em torno de clientelas partidárias sob esquemas em que o político influente tinha de pagar ao cacique que para ele arregimentava votos e, por sua vez, o cacique tinha de pagar a fidelidade do seu eleitor, podendo esta cadeia ser, pontualmente, mais complicada. Era assim como que um arremedo de sistema feudal com os suseranos a terem de pagar a fidelidade dos seus vassalos. Esses pagamentos sob a forma de concessão de cargos políticos, de empregos ou de quaisquer outras dádivas ou concessão de privilégios determinavam uma praxis política que, privilegiando a sustentação das necessárias clientelas, subalternizava a resolução dos gravíssimos problemas económicos e sociais com que o País se debatia. Por outro lado, as eleições faziam-se não para escolher um governo, mas para legitimar executivos já empossados e dar-lhes maioria parlamentar. Ademais seria tarefa bem árdua, fazer, à boca das urnas, uma escolha criteriosa quanto a um ou outro governo, posto que, quer na teoria quer na prática, eram assaz discretas as diferenças entre os dois partidos. Regra geral, o partido no governo ganhava sempre e folgadamente as eleições.

Agora, porém, o edifício rotativista começava a ser minado a partir do interior dos próprios partidos componentes do sistema. No seio dos regeneradores, João Franco, inconformado com o seu estatuto de segunda figura, entrara em confronto aberto com o seu chefe-de-fila, Hintze Ribeiro. Em Maio de 1901 abandonara o Partido Regenerador, arrastando consigo a sua roda de amigos, entre os quais se encontravam 25 deputados. Com eles iria João Franco constituir, em 1903, o Partido Regenerador Liberal, novo grémio político que, muito embora se reclamasse do campo monárquico, se esforçava por aparecer aos olhos da opinião pública como isento dos erros e vícios políticos dos partidos tradicionais e se propunha, no dizer do seu próprio caudilho, «caçar no terreno dos republicanos». Aconteceu no entanto que, em Junho de 1901, Hintze Ribeiro obteve do rei a dissolução da Câmara de Deputados e, especialmente contra a ânsia de poder de Franco, o governo regenerador fez aprovar nova legislação eleitoral que reduzia drasticamente as hipóteses electivas das minorias. Franco baptizou este pacote legislativo com a designação de «ignóbil porcaria», expressão que veio a popularizar-se. Assim, com apenas um deputado eleito pelo Partido Franquista na pugna eleitoral de 1901, João Franco iria fazer a «travessia do deserto» até 1906.

Publicado por Fernando Fava