segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Republicanismo e República X

Primeiros passos de uma Jovem República

A seguir à Proclamação, acto solene e formal da inauguração do novo regime, foi constituído um Governo Provisório presidido por Teófilo Braga, professor catedrático de literaturas modernas e um dos principais apóstolos do positivismo em Portugal. No entanto, os homens que, nesta fase inicial, mais efectivamente conduziram os negócios políticos do país foram os ministros da Justiça, Afonso Costa; do Interior, António José de Almeida; e do Fomento, Brito Camacho. Todos eles dirigentes do Partido Republicano Português e, nessa qualidade, líderes de diferentes correntes de pensamento que já claramente se desenhavam no seio do Partido Republicano e que, constituindo factores de crise, haveriam de conduzir a cisões e à formação, no campo republicano, de três partidos distintos. O pecado original deste primeiro governo da República era o de que ele simplesmente aparecera, isto é, não fora investido nas suas funções por qualquer corpo ou entidade com legitimidade revolucionária, facto que não deixou de constituir para o próprio governo, para a revolução e para o país, uma permanente fragilidade.

No plano das realizações políticas, de imediato se colocava a necessidade de promover a existência de uma Constituição adaptada às novas realidades da nação portuguesa. Preparou-se então nova legislação eleitoral que veio a ser aprovada e consagrada em Abril de 1911. De acordo com esta disposição legal, o direito de voto foi concedido a todos os cidadãos maiores de 21 anos, alfabetizados ou chefes de família. Não era ainda o sufrágio universal, julgado então prematuro num país com uma percentagem de analfabetos a rondar os 80% e onde o fenómeno do caciquismo era uma realidade que permanecia forte. Perante tais condicionalismos, entendeu o governo provisório que do sufrágio universal adviria uma votação maioritariamente inconsciente, facto que se traduziria numa perversão da liberdade de escolha e num desvirtuamento dos fins e objectivos a alcançar. O acto eleitoral para a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) decorreu a 28 de Maio desse ano de 1911, num sufrágio em que só houve eleições em cerca de metade dos círculos eleitorais, dado que, em muitas circunscrições, os candidatos foram declarados eleitos por o seu número não ser superior ao dos deputados a eleger. Reunida, pela primeira vez, a 19 de Junho, a Assembleia Nacional Constituinte (ANC), na sua qualidade e legitimidade de órgão de soberania eleito, formalizou e oficializou os actos de abolição da Monarquia e de instituição da República, confirmando ainda os poderes do Governo Provisório. A Nova Constituição foi aprovada e promulgada a 21 de Agosto de 1911 e contemplava, como traços mais salientes, a consagração da República como regime e forma única de governo; a assunção do sistema bicameralista; a tripartição dos poderes; e o reconhecimento dos direitos, liberdades e garantias individuais. No dia 24 de Agosto, o Congresso da República (reunião das duas câmaras – Deputados e Senado) elegeu para o cargo de Presidente da República o Dr. Manuel de Arriaga, advogado e professor de liceu e velha e estimada figura de dirigente republicano. Em torno desta eleição agudizaram-se as clivagens existentes no seio do P.R.P., no contexto de uma luta que opôs dois candidatos: Bernardino Machado pelos afonsistas e Manuel de Arriaga por um então formado «bloco» de almeidistas e camachistas. Na eleição presidencial, Arriaga obteve 121 votos contra 86 de Bernardino. Esta correlação de forças foi transportada para a Câmara de Deputados e para o Senado, daí resultando que os parlamentares afonsistas, organizados sob a denominação de «Grupo Parlamentar Democrático», quer numa câmara quer na outra, ficassem em minoria. Mas o «bloco» era uma construção de circunstância, destinada a impedir a eleição de Bernardino Machado e, como tal, a breve trecho se desfaria.

Eleito um presidente da República, o Governo Provisório apresentou a sua demissão, a qual, de imediato, foi aceite. Para trás ficava uma obra legislativa e governativa com altos e baixos, mas que, numa apreciação de conjunto, se afirmaria como positiva, com destaque para pontos como a reforma da instrução pública (com especial incidência no ensino primário e no ensino superior) e a reforma religiosa – Separação da Igreja do Estado –, mau grado a insanável polémica que esta última levantou e ainda levanta. Neste contexto da governação exercida pelo Governo Provisório, dever-se-á realçar ainda o excelente trabalho feito pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Dr. Bernardino Machado, que com inexcedível habilidade e tacto diplomático foi tranquilizando as nações estrangeiras quanto à natureza e intenções do regime saído da Revolução da Rotunda. Para além do indiscutível alcance social e político da obra legislativa e da actuação deste governo é visível, nesse esforço, uma intenção de apagar, tanto quanto possível, vestígios do regime deposto a 5 de Outubro de 1910 e de obter o reconhecimento do regime republicano português no contexto de uma Europa monárquica e conservadora, onde apenas dois países, a França e a Suíça, eram repúblicas.

Publicado por Fernando Fava