O 5 de Outubro de 1910
Os anos de 1909 e 1910 viram agigantar-se a campanha de agitação republicana. Neste campo de acção, a imprensa desempenhou um papel decisivo. Para além dos jornais com vínculo ao Partido Republicano, havia jornais de grande tiragem que insistentemente advogavam a necessidade da mudança de regime como solução única para o momentoso problema político então vivido em Portugal. Estavam no caso jornais como o Século, dirigido por Magalhães Lima e a Luta de Brito Camacho. Nas vésperas da República entraram neste combate outros diários como A Capital, dirigida por Manuel Guimarães; A República de Artur Leitão; e O Radical dirigido por Marinha de Campos. Não há memória de, entre nós, se fazer, como então se fez, obra jornalística e panfletária de tamanha envergadura.
Na opinião pública fundara-se a convicção de que a Monarquia tinha os seus dias contados. A Revolução estava eminente. Existiam, todavia, algumas divergências entre o Directório do Partido Republicano e a Alta Venda Carbonária, liderada então por Machado Santos. Tudo isso ia atrasando a aplicação prática do Plano, já então gizado, para tomar conta do País.
Depois de sucessivos adiamentos – Abril, Julho, Agosto - a Revolução começou a tomar forma na madrugada de 3 para 4 de Outubro de 1910, com tropas a sair de Campo de Ourique e de Campolide para a Rotunda e com as guarnições amotinadas dos cruzadores Adamastor e São Rafael a prepararem-se para bombardear o Palácio das Necessidades. Ao raiar do dia «contadas as espingardas», constatou-se que o número de insurrectos acantonados era muito escasso para levar com êxito o empreendimento; dispunham, no entanto, de 8 peças de artilharia. Tinha havido uma imensa descoordenação e daí faltas de comparecimento de dirigentes comprometidos com o projecto, deserção de oficiais, falhas de informação e de ligação. Notícias de que a revolução havia fracassado e que “estava tudo perdido, levaram a que o vice-almirante Cândido dos Reis, chefe militar da Revolução, pusesse termo à vida com um tiro de pistola, numa viela esconsa de Lisboa.
O Conselho de Oficiais, reunido na Rotunda sob o comando do capitão Sá Cardoso pronuncia-se pelo abandonar das armas. Não é essa, porém, a disposição de Machado Santos que, conjuntamente com civis, soldados, cabos e alguns sargentos decide permanecer nas barricadas da Rotunda e resistir. Dos que aí ficam, a maioria dos civis e muitos militar de baixa patente são membros da Carbonária; conseguem estabelecer ligações com outros núcleos carbonários activos em Lisboa e, em conjunto obter a neutralização de algumas unidades monárquicas. Durante o dia vão afluindo à Rotunda mais militares e civis. O acampamento acaba por resistir bem aos ataques da artilharia de Paiva Couceiro. A meio da tarde o Adamastor e o S. Rafael bombardeiam o Palácio das Necessidades. O rei foge para a Ericeira. O conhecimento desta fuga tem um impacto muito negativo nos comandos das forças monárquicas.
Chega-se ao dia 5, são 8 horas da manhã. Dá-se então um episódio curioso: o encarregado de negócios da Alemanha em Lisboa sobe a Avenida da Liberdade em direcção à Rotunda e pede para falar com Machado Santos. Alegando que havia falado com o General Gorjão, pretendia então uma trégua de uma hora para evacuar a salvo os súbditos alemães residentes em Lisboa. Machado Santos começa por recusar, pensando haver ali uma manobra de dilação com o sentido de as forças do Rossio ganharem tempo, mas depois, pensando melhor, disse ao diplomata para ficar tranquilo que ele iria resolver o assunto.
Enverga então a melhor farda, monta a cavalo e desce a Avenida da Liberdade. Ora o povo que aquela hora era já muito, quer no Rossio, quer na Av. da Liberdade, que tinha visto uma bandeira branca subindo à Rotunda e via agora Machado Santos a descer em direcção ao Rossio, convenceu-se de que os monárquicos tinham capitulado e então foi um mar de gente caminhando ao lado do cavalo de Machado Santos, aos gritos de “Viva a República”. Gente que invadiu literalmente o Rossio e se pôs a confraternizar com os soldados das forças monárquicas, os quais se iam passando aos magotes para o lado dos revoltosos.
Machado Santos entra na tenda de Gorjão e convida-o a render-se. Este hesita, mas acaba por aceder, colocando apenas como condição que fossem poupadas as vidas da família real, o que, lhe foi, de imediato, garantido.
Estava implantada a República em Portugal. Poucas horas depois, às janelas da Câmara Municipal e perante uma massa enorme de gente, Eusébio Leão lia a respectiva Proclamação.
Caíra a Monarquia da Carta! Nascera a República, herdeira do liberalismo vintista!
Publicado por Fernando Fava