Institucionalização dos Partidos Republicanos
O primeiro Governo Constitucional da República Portuguesa tomou posse a 4 de Setembro de 1911. Era presidido por João Chagas, homem de letras e jornalista e, à data, Ministro Plenipotenciário de Portugal, em Paris. Com um passado longo de luta contra a monarquia, a sua indigitação para a chefia do Executivo era, em grande parte, devida ao prestígio que gozava junto das camadas populares republicanas. Mas, neste passo de constituição de Governo, Chagas apenas pôde contar com personalidades bloquistas, posto que os democráticos se mostraram, para tal, indisponíveis. Não obstante, no Parlamento declararam o seu apoio ao gabinete ministerial de Chagas, se fosse feita «obra de eficácia e oportunidade política». Portugal entrava assim numa fase de normalidade constitucional, facto que favorecia o reconhecimento do regime por parte das nações estrangeiras.
No primeiro aniversário da República, a 5 de Outubro de 1911, Paiva Couceiro, um outro herói da Rotunda, neste caso por banda dos monárquicos, fez a sua primeira incursão contra-revolucionária, entrando por Bragança à frente de uma coluna de cerca de 1000 homens, mal armados e equipados. Apoderou-se da vila de Vinhais onde proclamou a monarquia e hasteou a bandeira azul e branca. A resposta do Governo da República foi tardia. Somente a 9 de Outubro enviou uma força de cerca de 400 marinheiros para combater os guerrilheiros de Couceiro. O confronto armado limitou-se a algumas escaramuças, após o que, desgastados, os invasores retiraram para Espanha. A responsabilidade pela frouxa resposta dada pelo Governo à ofensiva monárquica foi imputada ao Ministro da Guerra, general Pimenta de Castro que, no contexto dos acontecimentos, teve um comportamento dúbio e vacilante, de tal forma que criou junto dos meios republicanos a ideia de que pactuava com o inimigo, sendo, por isso, exonerado das suas funções e substituído por outro militar, o tenente-coronel Alberto da Silveira.
Um Congresso do Partido Republicano Português, realizado em Lisboa, de 27 a 30 de Outubro de 1911, teve o dom de aprofundar ainda mais as já muito cavadas divisões entre os republicanos. Nesse campo de acção, os democráticos conseguiram eleger um novo Directório cujos membros lhes eram, maioritariamente, afectos. Logo Brito Camacho veio a público no seu jornal, A Luta, para dizer que estava definitivamente desfeita a unidade do Partido, enquanto que, contrariamente, Bernardino Machado em O Mundo fazia um apelo à unidade de todos os republicanos. Todavia, as desinteligências, obedecendo sobretudo a diferenças de práxis política, configuravam já a existência de partidos no seio da família republicana. Uma tal situação levou João Chagas a considerar que não existiam mais os pressupostos de unidade republicana que tinham presidido à formação do seu Ministério e assim sendo, o mesmo já não era representativo das forças em presença. A sete de Novembro, o Executivo demitia-se em bloco. Seguiu-se o Governo do professor Augusto de Vasconcelos que, para além da figura do presidente, integrava, como ministros, três democráticos e quatro bloquistas. Feita a sua apresentação no Parlamento a 16 de Novembro foi ali bem recebido e apoiado.
Com este novo governo reacendeu-se a chamada Questão Religiosa, posto que na Justiça estava agora António Macieira, advogado que durante a fase do Governo Provisório tinha sido o mais precioso auxiliar de Afonso Costa na feitura das leis do Registo Civil e da Separação da Igreja do Estado. Sendo então estas leis da República desrespeitadas por alguns hierarcas da igreja, o Ministro mandou instaurar processos judiciais aos Bispos da Guarda e do Algarve e ao próprio Cardeal Patriarca de Lisboa, D. António Mendes Belo. Em Janeiro de 1912, foram aqueles dignitários da igreja católica condenados à pena de desterro, ficando interditos de entrarem nos seus distritos e dioceses por um período de dois anos.
Sinais de crise governamental começaram entretanto a desenhar-se em torno do chamado «Caso Ambaca» (Companhia de Caminhos de Ferro de Angola), com os ministros bloquistas a divergirem da actuação do seu colega democrático, Freitas Ribeiro, que detinha a pasta das Colónias. Por outro lado, um incidente parlamentar levava, em Março, a Câmara de Deputados ao rubro: António José de Almeida, numa intervenção em que anunciava a fundação do Partido Evolucionista (o seu partido), fez, concomitantemente, uma proposta para concessão de uma amnistia aos conspiradores implicados na intentona monárquica de 5 de Outubro de 1911. Aos múltiplos protestos vindos de todas as bancadas, juntaram-se os gritos do público que nas galerias se manifestava. A proposta foi recusada, com nítido prejuízo para o prestígio de António José e para a credibilidade do seu anunciado partido.
Em todo o caso, a 24 e 26 de Fevereiro de 1912 tiveram fundação oficial os Partidos Evolucionista e Unionista, respectivamente. Foram somente actos de oficialização de uma situação já de facto vivida. O espectro político-partidário passou assim a apresentar, à esquerda, o Partido Democrático, herdeiro das estruturas e das tradições do velho Partido Republicano Português; à direita deste ficavam o Partido Evolucionista, liderado por António José de Almeida e que se colocava num centro-direita de cariz ruralista e o Partido da União Republicana ou Partido Unionista, grémio de intelectuais conservadores liderado por Brito Camacho. Entrementes, o Partido Democrático reunido de novo em Congresso em Braga, a 26 de Abril desse ano de 1912, confirmou a liderança de Afonso Costa, no acto de reeleição do Directório. Nesse Congresso foi decidido manter a denominação de Partido Republicano Português, símbolo, só por si, representativo da tão almejada mas para sempre perdida unidade republicana. Facto notável é o de não se ter gerado, nestes primeiros anos da República, nem, diferentemente, nos seguintes, uma bipolarização partidária que conduzisse a um rotativismo. Isso deveu-se, em primeiro lugar, à posição hegemónica do Partido Democrático, continuadamente demonstrada nas urnas e, em segundo lugar, às divergências profundas existentes entre Almeida e Camacho, factor que sempre se revelou impeditivo de coligações ou acordos eleitorais.
Publicado por Fernando Fava