A Acalmação
As mortes do rei, D. Carlos e do príncipe-real, D. Luís Filipe, ocorridas a 1 de Fevereiro de 1908, ditaram o fim imediato da ditadura franquista e soaram como um «toque a finados» para a monarquia em Portugal.
Sentado no trono por força das circunstâncias, D. Manuel, filho segundo de D. Carlos, após a demissão e expatriação de João Franco, ensaiava a formação de um governo com apoio parlamentar, ao estilo de governos da monarquia constitucional anteriores à ditadura. Nesse passo, a solução encontrada foi a criação de um gabinete (dito de «acalmação») de composição heteróclita, composto por regeneradores, progressistas e independentes e presidido pelo almirante Ferreira do Amaral. Abriram-se então as prisões que encerravam presos políticos e revogaram-se os decretos mais opressivos da ditadura, mormente quanto a Leis de Imprensa e quanto ao julgamento de crimes de natureza política por Tribunais Criminais.
Não obstante estas tentativas de pacificação da sociedade portuguesa, o período histórico compreendido entre Fevereiro de 1908 e Outubro de 1910, foi sobretudo marcado pelo progressivo apagamento dos agrupamentos partidários da área monárquica e pelo fortalecimento do Partido Republicano Português (PRP), traduzido pelo número e importância das adesões entretanto registadas e pelos resultados obtidos em eleições para Câmaras Municipais e para o Parlamento.
Em Maio de 1908, na sequência do Congresso de Coimbra, o PRP pela mão da sua ala reformista, propôs à monarquia de D. Manuel a celebração de um entendimento, a que foi dado o nome de Pacto Liberal. Um documento elaborado por Afonso Costa consubstanciava um conjunto de reivindicações, em que, sobretudo, se exigia o restabelecimento das liberdades de imprensa, de reunião e de associação e a revisão da Carta Constitucional. Em troca, o PRP prometia relegar para um plano secundário as suas aspirações à governação. A proposta terá sido bem recebida pelos progressistas e pelo próprio rei, todavia acabou por ser inviabilizada pelo Partido Regenerador e, de acordo com as palavras de José Relvas (um dos moderados do PRP) em Memórias Políticas, inviabilizado também pela «impenitente acção da Rainha».
A partir de então alcançou preponderância decisiva, no seio do PRP, a acção revolucionária, preponderância que veio a ser confirmada e ratificada pelo congresso de Setúbal de 1909, ainda que por vitória minguada.
Paralelamente, corria a acção da Carbonária, visível sobretudo no aliciamento de militares de baixa patente para a causa da revolução. E, num misto de conspirata e de luta legal, os republicanos promoviam activíssima propaganda, graças à colaboração prestimosa de uma imprensa própria ou simpatizante, moldando assim a opinião pública no sentido profundo da ideia de que as mais lídimas aspirações dos portugueses teriam completa realização com o «inevitável» advento da República. Por outro lado, organizações afiliadas do PRP (centros, clubes, ligas, grémios) espalhadas pelo país promoviam espectáculos musicais e teatrais, criavam gabinetes de leitura e de informação eleitoral, organizavam excursões e abriam cantinas, tudo sob o impulso de uma forte acção doutrinária orientada para as camadas populares e para a pequena burguesia. Perante este fogo de barragem do armamento republicano, a coroa e os sucessivos governos a que deu posse – seis que foram – nunca estiveram senhores da situação. Como disse Raul Brandão nas suas Memórias:
“ […] o que resta de pé não passa de ficção. Quem manda, quem governa, mesmo na oposição, são os republicanos […] Sucedem-se os governos, mas a força é outra, que se sente por trás do cenário”.
Publicado por Fernando Fava