José Falcão e a Comuna de Paris
José Joaquim Pereira Falcão, natural do concelho de Miranda do Corvo, nasceu em 1 de Junho de 1841 e viria a falecer em Coimbra, no dia 14 de Janeiro de 1893. Obteve o doutoramento em Matemática na Universidade de Coimbra em 1865 e foi nomeado lente substituto dessa disciplina em 1870.
Em Julho de 1870, a França de Napoleão III declarou guerra à Alemanha militarista de Bismarck. A sorte das armas revelou-se desastrosa para o exército francês, que, humilhantemente derrotado em Sedan, arrastou na sua queda o próprio regime imperial. O exército prussiano cercou Paris, pelo que o drama francês irá ser vivido no interior da cidade sitiada, assumindo o trágico contorno de um embate sangrento, opondo franceses a franceses, sob o olhar inimigo. Com efeito, logo em Paris se desenhou uma estrutura dual de poderes e de dissemelhantes projectos de futuro. A Guarda Nacional foi reconhecida como a força depositária das esperanças do elemento popular e dos estratos jacobinos, pugnando por um programa político e social baseado no republicanismo federalista, na descentralização, na redistribuição das riquezas e na participação activa das populações quanto à detecção das insuficiências colectivas. Thiers, condutor e intérprete das franjas mais conservadoras, retirou-se com o seu Executivo para Versalhes, separando geograficamente o poder bicéfalo que até então se amalgamara em Paris. Para os parisienses, Versalhes passou a significar o lugar da reacção antidemocrática, o santuário dos privilegiados e o nicho dos negociadores incondicionais com as forças sitiantes. Para os versalhenses, por seu turno, Paris assumiu o significado de um espaço urbano abusivamente apropriado por todos os que tramavam a liquidação dos valores tradicionais, a usurpação da Propriedade, a dissolução da Família, o tripúdio da Ordem e o dissoluto avanço da revolução comunista. Foi sobre este quadro de antinomias que se inscreveu o drama do embate decisivo entre os adeptos de Paris e os defensores de Versalhes.
O mundo, horrorizado, tomou conhecimento dos rios de sangue que correram em Paris na “semana sangrenta” de 21 a 28 de Maio de 1871, terminada com uma sucessão de execuções sumárias, perpetradas pelas forças de Thiers. Foram cerca de 30.000 as vítimas.
A defesa calorosa dos adeptos da Comuna e a concomitante condenação da ferocidade dos combatentes de Thiers expressou-se num folheto intitulado A Comuna de Paris e o governo de Versailles , da autoria de José Falcão, que não o assinou por recear as consequências pessoais e profissionais decorrentes deste seu alinhamento ideológico. Na sua substância, as palavras do autor saldam-se pela reabilitação do programa de democracia social, sustentado pela Comuna, e pela exautoração dos políticos mais conhecidos do tempo, como Thiers, Picard, Jules Favre e Jules Simon, sem escapar sequer Louis Blanc, um dos expoentes da esquerda republicana. Ora, no entender de José Falcão, o radicalismo de Paris não ia além da pretensão de conferir viabilidade às pretensões do federalismo republicano, atrás referidas. Deveremos notar que os combatentes acantonados em Paris não teriam pretendido a implantação do comunismo e do radical nivelamento, mas apenas o funcionamento de um sistema económico depurado de excessivas concentrações de riqueza e da acção nefasta de minorias ávidas e parasitas.
Como logo se verificou, assistiram a José Falcão boas razões para manter o anonimato, uma vez que o marquês de Ávila e Bolama, então chefe do governo, manifestou a vontade de processar o autor do desassombrado texto, cuja identidade veio a ser facilmente referenciada.
A partir deste momento, José Falcão seria reconhecido como uma das vozes mais audazes e justas da propaganda republicana. A futura “geração do Ultimato”, esmaltada por nomes como o de António José de Almeida e o de Afonso Costa, prestou-lhe o crédito de o escolher como chefe indiscutível. Coimbra, pelo menos a parte de Coimbra que se revê na tábua dos valores da República, tem a obrigação de o lembrar sempre. E para sempre.
Publicado por Amadeu Carvalho Homem