Sebastião de Magalhães Lima: Democrata, Socialista e Pacifista
Ainda estavam quentes as brasas emotivas que aqueceram a contestação ao tratado de Lourenço Marques quando surgiu em Lisboa um novo jornal, de risonho futuro. Intitulava-se O Século e nele iria ressoar, durante décadas a fio, a interpretação republicana dos acontecimentos nacionais e internacionais. Era dirigido por Sebastião de Magalhães Lima.
Quem era Magalhães Lima? Que créditos poderia apresentar perante a causa democrática? Nascera no Rio de Janeiro, no seio de uma família culta e abonada. Chegado à adolescência, atingida ao redor dos inícios do decénio de 60, os pais mandaram-no estudar para Lisboa, complementando os seus estudos intermédios com um sólido domínio das línguas francesa, inglesa e alemã. Quando arribou a Coimbra, para cursar Direito, ainda por lá vibravam as memórias e façanhas da notável geração de Antero de Quental, João Penha, Teófilo Braga, Eça de Queirós, João de Deus e Guerra Junqueiro. Além dos estudos jurídicos, necessários à progressão no curso, o jovem Sebastião de Magalhães Lima dava-se à literatura e ao debate panfletário das ideias. Versejou romanticamente, como tantos outros, sob o embalo das calmas águas do Mondego, correndo por entre choupos e salgueirais. Confessava-se então socialista e fez questão de manter essa identidade ideológica durante toda a sua existência. Contudo, o seu socialismo distanciava-se das apóstrofes de Karl Marx e de Engels, uma vez que repudiava toda e qualquer metodologia violenta e que considerava iníqua a luta colectiva sem quartel, alentada por meros egoísmos de classe. Reconhecia a “questão social” e procurava sinceramente a suavização da sorte madrasta dos pobres. Por isso se batia por um socialismo idealizado, ético, baseado no desenvolvimento dos imperativos das Consciências em alerta. As suas leituras deram-lhe a conhecer os textos de Benoit Malon, nos quais se procurava um caminho intermédio entre a impotência discursiva e utópica de um Fourier, de um Cabet ou de um Saint-Simon e a implacabilidade das dialécticas marxistas. Por aí, por Malon se viria a fixar, rendido e reverente perante o pensamento de um autor que antecipava um futuro de Paz e de Concórdia para a sofredora Humanidade.
Foi ainda em Coimbra que fundou com Alves da Veiga e Alves de Morais o periódico República Portuguesa, manifestando o seu radical laicismo e o seu acendrado credo democrático em textos como os que fez publicar sob os títulos Padres e Reis ou O Papa perante o século. Ainda estudante, merecera a honra de ser escolhido por José Falcão para saudar o prestigiadíssimo chefe do republicanismo espanhol, Emílio Castelar, quando este visitou a academia coimbrã.
Após a sua formatura, Sebastião de Magalhães Lima singularizar-se-á como um verdadeiro embaixador intelectual junto da Europa mais culta, como um dos maiores jornalistas do seu país e como um defensor intransigente do pacifismo e da negociação para a ultrapassagem de todos os contenciosos internacionais. A sua identificação com os ideais maçónicos correspondeu, pois, à evolução natural do seu espírito, chegando a atingir a culminância do Grão-Mestrado.
A sua voz ouvir-se-á em todos os momentos críticos da vida portuguesa. Em 1880, nas colunas do jornal O Século, travou uma enérgica campanha anti-britânica e anti-monárquica perante as cedências constantes do tratado de Lourenço Marques e empurrou a população lisboeta para os braços dos promotores do Tricentenário de Camões, momento alto de afirmação patriótica, volvido em solene manifestação pró-republicana pelo inepto distanciamento da realeza. Após o Ultimato inglês de 11 de Janeiro de 1890, iniciou um périplo por muitas das principais cidades europeias – como Madrid, Barcelona, Paris e Bruxelas – para defender as prerrogativas da colonização portuguesa ante a investida da “pérfida Albion”. Ao tornar-se uma referência de causas generosas e uma voz ao serviço da Justiça internacional, Sebastião de Magalhães Lima passou a ocupar lugares cimeiros nas mais relevantes organizações internacionais. Foi um dos fundadores da Associação dos Amigos da Paz, com sede em Paris. A Conferência Internacional Maçónica de Antuérpia recebeu-o, em 1894, com sinais de grande regozijo. Em 1898, rendendo preito ao seu combate em prol de soluções federalistas latinas, foi convidado pela Universidade Livre de Bruxelas a reger um curso sobre os fundamentos do federalismo. Passou por grandes congressos internacionais, reunidos no ano de 1904, como o da Imprensa, em Viena de Áustria, e o do Livre Pensamento, em Roma.
Mas foi empunhando a pena, como director ou redactor de jornais republicanos, que Sebastião de Magalhães Lima alcançou uma posição de especial destaque. Os seus artigos na Folha do Povo e na Vanguarda, após a sua saída do jornal O Século, dão-nos o testemunho de um espírito vigilante, determinado e arguto, mas sem rancores ou raivas escondidas. Ao lê-lo, ainda hoje é notório que ele apenas desejava uma Pátria livre e tolerante, digna dos portugueses, junto dos quais, apesar do clangor internacionalista do seu nome, queria viver como igual e como irmão.
Publicado por Amadeu Carvalho Homem