No ano de 1905 seria a vez do dirigente progressista, José de Alpoim, desafiar a autoridade do velho e alquebrado chefe do Partido, José Luciano de Castro. As desinteligências vinham de trás e prendiam-se com a contestação feita por Alpoim e pelos seus seguidores à orientação conservadora imprimida pela direcção de José Luciano. Este estado de coisas agravou-se sobremaneira quando, em Abril, Alpoim viu ser-lhe negado por José Luciano a Pasta do Reino, ministério que Alpoim tanto ambicionava para consolidar o seu poder e chegar à chefia do Partido. Naturalmente que José Luciano, velha raposa, tudo fazia para travar ou contrariar esses tiques de poder de Alpoim, tanto mais que desconfiava das chegadas relações que este mantinha com os regeneradores de Hintze Ribeiro. Não sendo a paciência uma das virtudes de Alpoim, este cansou-se de esperar pela morte, sempre anunciada, de José Luciano, e, declarando guerra à direcção do seu partido e ao seu próprio governo, abriu uma cisão que veio a dar origem ao aparecimento de um novo clube político (mais um), a Dissidência Progressista.
Aproveitando a polémica Questão dos Tabaco, ele e os restantes dissidentes, seus apaniguados, elaboraram e apresentaram na Comissão de Fazenda da Câmara uma proposta que desvirtuava por completo as intenções contidas na decisão governamental de atribuir o monopólio à Companhia dos Tabacos de Portugal, à testa da qual estava o Conde de Burnay, velho inimigo de Alpoim. Marcada a sessão parlamentar para 10 de Maio, a mesma transformou-se numa contenda pessoal entre Alpoim e José Luciano e em que, perdendo a noção das conveniências, os contendores se cobriram de ridículo, descendo à mais baixa chicana política, com José Luciano afirmando que Alpoim aprovara em Conselho de Ministros a proposta que agora recusava e Alpoim, exaltadamente, a garantir à Câmara que aquele estava a mentir. Somente à voz autorizada e respeitada do idoso ministro do Reino, Augusto Pereira de Miranda, os dois homens fizeram cessar a sua incontinência verbal. Estas lutas intestinas começavam a ferir de morte o rotativismo tanto mais que os líderes históricos dos dois principais partidos monárquicos não souberam lidar com as situações entretanto criadas e acabaram por se deixar enredar em tricas e em alianças espúrias, com isso fazendo afinal o jogo dos seus inimigos e contribuindo, porventura decisivamente, para o fim do rotativismo e da monarquia.
Entretanto o Partido Republicano Português que, na pura conjuntura rotativista, desempenhara um papel político secundário, ou secundarizado, ia aproveitando das dificuldades e convulsões dos seus adversários para se ir afirmando e ganhando estatura. As eleições de 1904, 1905 e 1906 foram disso um afinado barómetro, com os republicanos a arrecadarem, neste último ano, 54,1% dos votos expressos na cidade de Lisboa. Era então republicana a primeira cidade do reino, facto que, todavia, não ofuscava a visão política de uma nova geração de republicanos que tomara em suas mãos os destinos do partido. Esses novos dirigentes sabiam que somente a desorientação que reinava pela banda dos monárquicos e as divergências entre as chefias dos principais partidos permitiam que tal situação acontecesse e que não seria pela via eleitoral que se chegaria à República. Tanto mais que no resto do país as votações arrecadadas pelos republicanos continuavam exíguas, sendo que no Porto, a segunda cidade do reino, os votos nunca foram além de 618.
Cônscios desta realidade, homens como António José de Almeida, Afonso Costa, Malva do Vale, João de Meneses e outros, que haviam participado, em 1896, do Grupo Republicano de Estudos Sociais (projecto de alternativa ao programa do Directório do Partido Republicano) declaravam-se publicamente a favor da revolução e da tomada do poder por meio das armas como forma (única em seu entender) de implantar o regime republicano em Portugal. Esta estratégia estava e esteve sempre longe de ser consensual, mantendo-se no interior do partido, em contraponto e actuante e influente, uma ala moderada que apostava na pedagogia e na educação e esclarecimento das massas populares e da pequena burguesia para, com o seu voto nas urnas, chegar ao poder. Desta forma, persistiram, no combate à monarquia e até à alvorada da Revolução de Outubro, uma estratégia conspirativa e outra eleitoral. O que, essencialmente, convém reter é que o Partido Republicano já não era mais aquele agrupamento político que, pacientemente e pela via da pedagogia e da atitude cívica pensava conquistar os votos que lhe dariam o poder ou que, com base em credos positivistas, considerava tal acesso uma inevitabilidade histórica, sem que fosse necessário recorrer a meios violentos.
Para o conservadorismo monárquico e especialmente para os poderes instituídos (sempre receosos de uma revolução) esta mudança no seio dos republicanos era mais uma «dor de cabeça». Não deixa de ser curioso notar que neste contexto, sem haver qualquer espécie de concertação, as circunstâncias pareciam, no entanto, encaminhar os negócios da política no mesmo sentido da perdição da monarquia, com os monárquicos a dilacerarem-se num processo autofágico e o Partido Republicano a encetar uma viragem na sua estratégia, que o tornava uma ameaça séria ao regime vigente. O futuro iria confirmar e agravar este estado de coisas e acentuar esse caminho tendencial que a Monarquia parecia então condenada a percorrer.
Publicado por Fernando Fava